Informativo n.° 03
Estimados colegas
Com a reforma penal trazida pelo advento da Lei 12.015/2009 e pela literal compreensão do parágrafo único, do art. 225, do Código Penal, surgiram questionamentos sobre a temática, concluindo-se, em um primeiro momento, que a ação penal seria pública incondicionada nas hipóteses de vulnerabilidade, quer fosse a presente no caput do art. 217-A, quer fossem as preconizadas no § 1º do referido dispositivo legal. Neste sentido, citamos os seguintes precedentes do STJ: RHC 39538 / RJ, 6ª Turma, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, julgado em 08/04/2014; e, REsp 1227746 / RS, 5ª Turma, Rel. Gilson Dipp, julgado em 02/08/2011).
Destarte, a jurisprudência, nestes casos, de arranque, cingiu-se a estabelecer que nas hipóteses de crime de estupro perpetrado contra pessoa vulnerável a ação penal seria pública incondicionada e, nos demais, condicionada à representação. Não houve, até então, qualquer enfrentamento resolutivo sobre o tema, ao efeito de afastar, ou não, a incidência da regra do parágrafo único, do art. 225 do Código Penal, daquelas hipóteses nas quais a vulnerabilidade da vítima era transitória.
Entretanto, no julgamento do HC 276510 / RJ, a Sexta Turma daquela Corte Superior de Justiça, por maioria de votos, asseverou haver certa confusão quanto ao assentamento do art. 225, caput e parágrafo único, do Código Penal, o qual parece, numa leitura primeira e isolada, prever ser incondicionada a ação penal tanto para os crimes cometidos contra a liberdade sexual, quanto para os perpetrados em face de vulnerável.
Todavia, ao reanalisar melhor a questão, entendeu-se (no julgamento do HC 276510/RJ) que, nas hipóteses de incapacidade permanente de oferecer resistência à prática sexual, a ação penal será sempre incondicionada e, ao revés, em seu cuidando de incapacidade transitória – a exemplo, das vítimas que propositadamente encontram-se sob efeito de álcool ou droga análoga – por não se poder subtrair da vítima a opção de evitar o strepitus judicii, a ação penal será condicionada à representação da ofendida. De consequência, com o entendimento sinalizado pelo Superior Tribunal de Justiça, quer nos parecer que restou afastada a conclusão de que todo e qualquer crime de estupro de vulnerável será de ação penal pública incondicionada, preservando-se, concomitantemente, o sentido da redação do caput do art. 225 do Código Penal.
A propósito, destaca-se o julgamento do Habeas Corpus n° 276.510, incluído no informativo n° 553 do Superior Tribunal de Justiça:
(...) De acordo com o art. 225 do Código Penal, o crime de estupro, em qualquer de suas formas, é, em regra, de ação penal pública condicionada à representação, sendo, apenas em duas hipóteses, de ação penal pública incondicionada, quais sejam, vítima menor de 18 anos ou pessoa vulnerável. 6. A própria doutrina reconhece a existência de certa confusão na previsão contida no art. 225, caput e parágrafo único, do Código Penal, o qual, ao mesmo tempo em que prevê ser a ação penal pública condicionada à representação a regra tanto para os crimes contra a liberdade sexual quanto para os crimes sexuais contra vulnerável, parece dispor que a ação penal do crime de estupro de vulnerável é sempre incondicionada. 7. A interpretação que deve ser dada ao referido dispositivo legal é a de que, em relação à vítima possuidora de incapacidade permanente de oferecer resistência à prática dos atos libidinosos, a ação penal seria sempre incondicionada. Mas, em se tratando de pessoa incapaz de oferecer resistência apenas na ocasião da ocorrência dos atos libidinosos, a ação penal permanece condicionada à representação da vítima, da qual não pode ser retirada a escolha de evitar o strepitus judicii. 8. Com este entendimento, afasta-se a interpretação no sentido de que qualquer crime de estupro de vulnerável seria de ação penal pública incondicionada, preservando-se o sentido da redação do caput do art. 225 do Código Penal. 9. No caso em exame, observa-se que, embora a suposta vítima tenha sido considerada incapaz de oferecer resistência na ocasião da prática dos atos libidinosos, esta não é considerada pessoa vulnerável, a ponto de ensejar a modificação da ação penal. Ou seja, a vulnerabilidade pôde ser configurada apenas na ocasião da ocorrência do crime. Assim, a ação penal para o processamento do crime é pública condicionada à representação. 10. Verificada a ausência de manifestação inequívoca da suposta vítima de ver processado o paciente pelo crime de estupro de vulnerável, deve ser reconhecida a ausência de condição de procedibilidade para o exercício da ação penal. 11. Observado que o crime foi supostamente praticado em 30/1/2012, mostra-se necessário o reconhecimento da decadência do direito de representação, estando extinta a punibilidade do agente. 12. Writ não conhecido. Concessão de ordem de habeas corpus de ofício, para anular a condenação e a ação penal proposta contra o paciente. (HC 276.510-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/11/2014, DJe 1º/12/2014).
Diante do cenário atual, apenas visando dar subsídios aos colegas em tema de atuação comum (crime de estupro), a título de reflexão e resguardada a independência funcional, realçamos o seguinte aspecto: havendo incapacidade transitória de oferecer resistência ou aquiescer com a prática sexual, como por exemplo nas hipóteses em que a vítima se coloca, propositadamente, em situação de embriaguez ou sob efeito de droga análoga, seja observado o recente precedente do Superior Tribunal de Justiça (Habeas Corpus n° 276.510 / RJ), objeto do informativo nº 553, colhendo-se a necessária representação da pessoa ofendida, sob pena de haver reconhecimento de ofício pelo STJ (na pendência de julgamento de RE) da nulidade da ação penal e da consectária sentença, com o imediato reconhecimento de causa extintiva da punibilidade.
Cordialmente,
Rosângela Gaspari
Procuradora de Justiça
Coordenadora do NAVES
Elaine Munhoz Gonçalves
Promotora de Justiça